sexta-feira, 24 de abril de 2009

Bom dia

"Bom dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria,
Bom dia: mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom dia à moça que estava,
de noite como de dia,
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom dia.
Bom dia sempre: se acaso
a resposta vier fria
ou tarde vier, contudo
esperarei o bom dia.
E sobre casas compactas,
sobre o vale e a serrania,
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom dia.
O tempo é talvez ingrato
e funda a melancolia
para que se justifique
o meu absurdo bom dia.
Nem a moça põe reparo,
não sente, nem desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom dia.

Bom dia: repito à tarde,
à meia-noite: bom dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia,
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom dia.
Bom dia: apenas um eco
na mata (mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe,
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
ao meu bom dia: bom dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia!"

("Canção para álbum de moça", Drummond)

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